O DANO DOS ANABOLIZANTES
Pesquisa
inédita revela que essas substâncias degeneram a saúde do coração, do cérebro e
elevam o risco de morte súbita.
Os prejuízos ao corpo são impressionantes. “Os usuários apresentam um risco
cinco vezes maior de ter acidente vascular cerebral, parada cardíaca ou morte
súbita do que a população em geral”, afirma a médica Janieire. As conclusões do trabalho serão
publicadas em maio de 2010 pela mais renomada revista científica de medicina do
esporte, a “Medicine & Science in Sports & Exercise”, do American
College of Sports Medicine. “É um avanço mundial no conhecimento sobre a
utilização desses compostos”, afirma Carlos Eduardo Negrão, que participou da
pesquisa.
Os voluntários do estudo foram submetidos a testes de sangue e a exames para medir a capacidade pulmonar e cardíaca de oxigenar o corpo a cada quatro meses. Porém, essa exigência reduziu o número final de participantes. Só 12 fizeram todos os testes. Além disso, dois tiveram morte súbita e um ficou com câncer de fígado. Os exames revelaram uma preocupante redução do colesterol bom (HDL) e o aumento do ruim (LDL) e dos níveis de pressão arterial (leia mais no quadro), o que eleva o risco de entupimento dos vasos sanguíneos cerebrais e do coração.
A cardiologista Janieire também identificou uma intensa mudança
no ritmo do sistema nervoso simpático, que regula a contração dos vasos, a
aceleração dos batimentos cardíacos e a concentração do hormônio noradrenalina
no sangue. Essas modificações aumentam o esforço do coração para bombear o
sangue. “Há casos em que os músculos e áreas do próprio coração recebiam apenas
40% do sangue necessário”, diz a cardiologista.
A associação dessas alterações aumenta as chances de insuficiência cardíaca
precoce. O que os pesquisadores não conseguiram saber é se esses efeitos são
reversíveis, com a interrupção do uso. “Não foi possível ter essa resposta
porque os voluntários voltavam a tomar as substâncias quando sentiam uma perda
de massa muscular”, lamenta Janieire.
A “BOMBA” É AINDA PIOR
Nova pesquisa alerta para os perigos dos anabolizantes. E revela
que eles podem levar à morte súbita de seus usuários
O efeito dos anabolizantes sobre o coração e o cérebro é muito
mais perigoso do que se suspeitava. Pesquisa recente, coordenada pela
cardiologista Janieire Nunes Alves, da Unidade de Reabilitação e Fisiologia do
Exercício do Instituto do Coração, em São Paulo, revelou que os usuários dessas
substâncias têm cinco vezes mais riscos de sofrer um derrame ou parada
cardíaca. E que o uso de anabolizantes pode causar câncer e até levar à morte
súbita.
Confira, abaixo, a entrevista exclusiva que a especialista
concedeu a ISTOÉ Online.
ISTOÉ – Quem participou da sua pesquisa?
Janieire Alves – Homens com idade entre 18 e 40 anos que tomavam essas
substâncias havia dois anos. Para achá-los, eu fui a várias academias,
especialmente a algumas em que se sabia serem pontos de consumo regular de
anabolizantes, para perguntar quem gostaria de participar da pesquisa. Mas foi
muito difícil conseguir voluntários. As pessoas têm muito medo de ser expostas.
Eles só aceitaram participar com a garantia de sigilo absoluto de seus nomes.
Um dos motivos é a sua participação em competições, pois o uso de anabolizantes
é ilegal. Consegui 40 pessoas, mas apenas 12 fizeram todos os testes
necessários.
ISTOÉ – Os testes de rotina, feitos por
atletas, não detectam os anabolizantes?
Janieire Alves – Detectam, mas há vários meios de mascarar esses resultados
durante o período de competições. Para fazer nosso estudo, por exemplo, a
sensibilidade do teste de urina feito inicialmente para atestar o uso foi
aumentada dez vezes. Esses exames foram realizados em parceria com a professora
Regina Moreau, no Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Farmacologia da
USP.
ISTOÉ – Como essas substâncias são
ingeridas?
Janieire Alves – Por injeção ou via oral. No grupo estudado, vi que o uso
se dá em ciclos. As pessoas tomam por cerca de dois meses, depois param algum
tempo e voltam quando sentem que a musculatura começa a diminuir.
ISTOÉ – Algum dos voluntários deixou de
tomar anabolizantes depois de conhecer mais sobre os efeitos que essas drogas
estavam provocando no organismo?
Janieire Alves – Não. De todas as pessoas que participaram, apenas três
aceitaram receber apoio psicológico para não usar mais. Um deles estava com
sintomas iniciais de câncer de fígado, que é outro efeito colateral do uso
constante dessas drogas.
ISTOÉ – Os anabolizantes causam alguma
dependência física ou psicológica?
Janieire Alves – Pude observar que a maioria dos voluntários manifesta um
transtorno de imagem conhecido como vigorexia. Por mais musculosos que estejam,
eles se vêem pequenos e, por isso, precisam ganhar mais massa muscular. É praticamente
o oposto da anorexia, em que a pessoa se julga gorda, ainda que isso não
corresponda ao peso apontado pela balança ou à imagem refletida no espelho.
ISTOÉ – Qual é a substância mais
consumida?
Janieire Alves – No grupo analisado, o estanozolol. É uma droga injetável,
indicada para uso veterinário. Ela é mais consumida por ser mais acessível e de
baixo custo. Promove a recuperação da musculatura dos animais. Mas existem
dezenas de outras substâncias.
ISTOÉ – A musculatura obtida com
anabolizantes é igual a conquistada com muita malhação?
Janieire Alves – Nosso estudo mostrou que o ganho excessivo de musculatura,
o aumento do tamanho do músculo cardíaco e alterações de pressão acontecem
também com as pessoas que praticam musculação em alta intensidade, ou
participam das competições de halterofilismo, porém em magnitude muito inferior
àqueles que tomam anabolizantes. Na população estudada por nós, identificamos
que há uma piora significativa da irrigação dos tecidos. Em testes para avaliar
a capacidade cardíaca e respiratória, vimos que essas pessoas ganham força, mas
não têm condicionamento ou resistência equivalentes.
ISTOÉ – Existe uma dose segura de
anabolizantes?
Janieire Alves - Os anabolizantes são substâncias análogas à testosterona,
fabricada nos testículos. Se ela já existe em quantidade suficiente no
organismo, doses adicionais inibirão a produção orgânica (natural). A questão é
que as substâncias sintéticas não são aceitas da mesma forma que a testosterona
natural por outras glândulas, o que inicia um desequilíbrio na troca de
mensagens entre os hormônios que regulam os ritmos do corpo. Em consequência,
isso leva aos efeitos indesejáveis. Na minha opinião, não se deve tomar se não
existe carência provada em exames laboratoriais. O estudo que fizemos fornece
sólido embasamento científico mostrando que, para o sistema cardiovascular,
essas substâncias são muito deletérias. Elas agem, por exemplo, sobre a
glândula supra-renal, estimulando a maior liberação de noradrenalina, que pode
aumentar o risco de desenvolvimento de arritmias cardíacas (alterações do ritmo
cardíaco), podendo levar até à morte súbita.
15/12/2009 - Revista IstoÉ Jornalista: Mônica
Tarantino
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